Bruno Feder encontrou no Sudão do Sul, um país devastado pela guerra civil, mais do que inspiração para suas imagens. O fotógrafo brasileiro foi transformado pelos sudaneses e sua capacidade de seguir em frente.
Comunidade sudanesa que foi obrigada a deixar suas casas por conta da guerra (Foto: Bruno Feder)
O fotógrafo brasileiro Bruno Feder, 33, se apaixonou pela África. Sua relação com o continente começou em 2013, quando viajou a Nova York para fazer workshops de fotografia. Foi onde conheceu a fotógrafa Louise Contino, que participava de um projeto social em Uganda. Depois de um ano no país, o destino de Feder estava selado. Mas não seria em Uganda a principal conexão do fotógrafo com o continente.
O Sudão do Sul entrou em guerra civil em 2013. Muitos sudaneses fugiram do país. Uma grande parte foi a Uganda. Esse movimento foi o que despertou o interesse de Bruno, que começou a estudar mais. Resolveu que tinha de dar um jeito de chegar lá e ver aquilo com seus próprios olhos.
Mulher sudanesa (Foto: Bruno Feder)
Entrar no país não foi fácil. Através de uma organização que protege crianças, conseguiu toda a documentação para fazer sua primeira visita ao Sudão do Sul. “Foi incrível. A falta de interesse da sociedade internacional foi uma oportunidade. Você não ouve falar. Eles não estão fugindo para a Europa.” Bruno resolveu voltar ao país e o fez muitas vezes.
O fotógrafo brasileiro Bruno Feder (Foto: Alexandra Enache)
No ano passado, decidiu que o Sudão do Sul se tornaria sua base. Firmou acordo com Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), a Oxfam e outras organizações, para quem fornece imagens dos trabalhos de combate à miséria e à fome realizados no país. Além disso, criou sua própria ONG, a Cross Geographics. Bruno vende suas fotos para financiar projetos que melhoram a vida dos sudaneses.
Em conversa com o Panda, Bruno Feder explicou como escolhe suas imagens, relatou as dificuldades para fotografar no Sudão do Sul e contou o que aprendeu em seu convívio com o povo do país.
A Oxfam ajuda a população mais vulnerável do Sudão do Sul distribuindo alimentos (Foto: Oxfam — Bruno Feder)
Que tipo de trabalho fotográfico você faz?
O Sudão do Sul tem o maior índice de mortalidade maternal do mundo. Não há gente treinada para fazer o parto. O governo do Canadá e Suécia iniciaram um projeto para treinar parteiras. Produzi um livro para eles sobre o projeto e faço fotos para os relatórios globais.
Também trabalho para a Oxfam. Documento o trabalho da organização para combater a fome no país. Tenho uma série de fotos com jovens. O país é muito estigmatizado. Se você olhar na internet, vai ver fome, guerra, violência, mas não é só isso. Se você vai a partes da capital, Juba, vai ver muita resiliência, pessoas sobrevivendo, seguindo em frente. Tenho um projeto de documentar isso para fugir do estereótipo.
Como é o processo de fazer essas imagens? Como escolhe o que vai fotografar?
Quando estou fazendo trabalhos para Oxfam ou Nações Unidas, estou criando mais para o cliente, Então sei o que eles estão esperando, para onde ela vai. Tenho que ter um cuidado ético muito grande. Primeiro tenho que me apresentar, dizer o que estou fazendo lá. O Sudão do Sul é um lugar muito hostil para fotografar, as pessoas têm medo de serem fotografadas. Uma fotografia errada pode trazer muitos problemas para uma pessoa. Geralmente, chego e converso. Não começo já com a câmera na mão. Você tem que ter um jogo de cintura enorme. Ajuda muito conversar, então aprendi um pouco das línguas locais. São 64, a diversidade étnica é enorme. Se você só aprende a brincar um pouco, perguntar como a pessoa está, isso ajuda muito.
E nos seus projetos pessoais?
No caso dos meus projetos pessoais, me deixo ser mais surpreendido. Vou mais aberto. Acho tudo muito fascinante. É um povo muito lindo. As cores, os trejeitos, a elegância. Quando vou, por exemplo, na tribo dos Mundaris, é um processo de me familiarizar, muitas vezes estou sem a câmera e penso “nossa, estou perdendo essa foto”. Mas é como um investimento, para depois, num segundo momento, saber em que hora do dia algo acontece.
Campo de refugiados em Central Equatoria, no Sudão do Sul (Foto: Bruno Feder)
É difícil convencer as pessoas a serem fotografadas?
Há muita paranóia. Tem um processo legal para eu estar lá. Preciso ir às autoridades do governo, pedir uma credencial me autorizando para fotografar. Fui fazer um projeto sobre a prostituição em Juba e fui detido algumas vezes. Nunca posso andar com a câmera à mostra, ela está sempre escondida. Tomo minhas precauções. Carrego ela dentro de um monte de sacos plásticos, como se fosse qualquer coisa. Estou lá há dois anos. Já aprendi. Mesmo na rua, as pessoas têm paranóia [com as fotos], porque elas acham que você vai ganhar dinheiro com as fotos deles, acham que você é um espião do ocidente. Fiz uma matéria para a Associated Press, e a própria AP recomenda que a gente não coloque o nome nos créditos por uma questão de segurança.
De onde veio essa vontade sua de viajar pelo mundo?
Sempre tive fascinação pelo mundo. Acho tudo muito interessante. Tenho uma necessidade constante de experimentar, vivenciar. Estou indo para a Índia no mês que vem. Estou querendo ir ao Paquistão. Quando se trata do Sudão do Sul, sinto a responsabilidade de reportar o que está acontecendo. Mas é meio uma loucura. Vou planejando as coisas enquanto elas estão acontecendo. Já tive quatro malárias nesses últimos dois anos. Tive muitas infecções. É um lugar muito pobre, a situação de saneamento é muito precária.
Bebê de quatro meses que nasceu em um campo de refugiados no Sudão do Sul (Foto: Bruno Feder)
O que você aprendeu com essa experiência?
É uma transformação enorme. É clichê, mas os valores mudam muito. Já vi gente em situações terríveis que fariam de tudo para me ajudar. A gente acha que está sofrendo, mas eu sofro muito menos com coisas que me perturbavam, porque me tornei mais resiliente. Vivenciar essa energia, essa força de sobrevivência, é contagiante. Sou uma pessoa muito mais forte, com certeza.
Acompanhe o trabalho de Bruno Feder no Instagram: https://www.instagram.com/crossgeographic/
Chefe de um campo de gado em sua tenda no Sudão do Sul (Foto: Bruno Feder)
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