A desigualdade causada por questões étnicas ainda é uma realidade, o mercado de trabalho é uma das áreas em que a falta de oportunidades e a precarização da força de trabalho deixam mais evidentes o problema. Veja através de dados e conteúdos do Path o que esperar do futuro profissional da população negra e como a desigualdade ainda persiste no país.
A sigla ESG (Environmental, Social and Governance) refere-se às práticas empresariais que consideram critérios ambientais, sociais e de governança na tomada de decisões. O objetivo dessas diretrizes é promover uma cultura empresarial mais responsável e sustentável, capaz de gerar valor não apenas para os acionistas, mas também para a sociedade e o meio ambiente.
No entanto, para que as diretrizes de ESG sejam realmente eficazes, elas precisam conversar diretamente com a população negra, que historicamente tem sido prejudicada por práticas empresariais injustas e por um sistema econômico que perpetua a desigualdade social. Isso significa que as empresas precisam levar em conta as particularidades e demandas específicas da população negra ao desenvolver suas políticas e estratégias de ESG.
As desigualdades sociais no Brasil têm sido objeto de intensa discussão por parte de estudiosos e formuladores de políticas públicas, que buscam diagnosticar e implementar medidas para reduzir essas disparidades. Uma das principais formas de manifestação das desigualdades no país é por meio do preconceito étnico, uma vez que envolve aspectos históricos e estruturais que geraram importantes clivagens na sociedade.
Um desafio persistente
No que diz respeito ao futuro do trabalho para a população negra, é importante destacar que a desigualdade causada por questões étnicas ainda é uma realidade, o mercado de trabalho é uma das áreas em que a falta de oportunidades e a precarização da força de trabalho deixam mais evidentes o problema. De acordo com dados do IBGE O rendimento médio mensal dos trabalhadores negros é, em média, 57,4% inferior ao dos trabalhadores brancos.
A taxa de desemprego dos negros também é maior em relação aos brancos. Além disso, a ocupação informal, que abrange empregados do setor privado e trabalhadores domésticos sem carteira de trabalho assinada, trabalhadores por conta própria, empregadores que não contribuem para a previdência social e trabalhadores familiares auxiliares, é mais comum entre os negros.
De acordo com dados de 2018, a maioria da força de trabalho no Brasil é composta por pessoas que se consideram pretas ou pardas, representando 25,2% a mais do que a população branca na força de trabalho. Entretanto, essas mesmas pessoas são substancialmente mais representadas na população desocupada e subutilizada.
Apesar de constituírem pouco mais da metade da força de trabalho, formavam cerca de ⅔ dos desocupados e subutilizados na força de trabalho em 2018. Essa desvantagem se mantém mesmo quando considerado o nível de instrução, sendo que a taxa composta de subutilização da força de trabalho é maior entre as pessoas pretas ou pardas em todos os níveis.
A informalidade no mercado de trabalho está associada a trabalhos precários e falta de acesso à proteção social. Infelizmente, a ocupação informal vem registrando crescimento desde 2016, principalmente em relação às pessoas ocupadas sem carteira de trabalho assinada e por conta própria. Em 2018, a proporção de pessoas ocupadas informalmente atingiu 47,3% entre as pessoas pretas ou pardas, enquanto entre as brancas atingiu 34,6%. As Regiões Norte e Nordeste apresentaram as piores proporções de ocupação informal.
A falta de acesso a direitos básicos como remuneração pelo salário mínimo e aposentadoria limitam as oportunidades dessas pessoas e tornam sua situação ainda mais desfavorável. Essa desigualdade social e econômica evidencia a necessidade de políticas públicas que promovam a inclusão e a igualdade de oportunidades para todos os brasileiros, independentemente de sua etnia.
A pesquisa também revelou que a população branca possui vantagem em relação aos rendimentos do trabalho ao longo da série histórica e em diversas regiões. Em 2018, o rendimento médio mensal das pessoas brancas foi 73,9% superior ao das pretas ou pardas, uma diferença que se repete ano a ano. Essa desigualdade salarial é evidente tanto na ocupação formal quanto na informal e em todas as regiões do país.
O diferencial por etnia é maior do que o diferencial por sexo, sendo que as pessoas pretas ou pardas recebem apenas 57,5% dos rendimentos daquelas consideradas brancas, enquanto as mulheres recebem 78,7% do valor dos rendimentos dos homens. Os fatores que explicam o diferencial por etnia incluem segregação ocupacional, menores oportunidades educacionais e remunerações inferiores em ocupações semelhantes. A pesquisa também mostra que a vantagem dos homens brancos é a maior em comparação com os outros grupos populacionais.
Nesse sentido, é fundamental que as empresas adotem práticas que promovam a igualdade racial e a inclusão da população negra no mercado de trabalho. Isso pode envolver desde políticas de recrutamento e seleção que garantam a diversidade e a representatividade em todos os níveis hierárquicos, até medidas para combater o assédio e a discriminação racial no ambiente de trabalho.
Como as marcas podem dar um próximo passo?
O especialista em comportamento e consumo da população afrodescendente, Fernando Montenegro, destaca a importância dos nichos de mercado no resgate da identidade cultural e simbólica da população negra no Brasil. Desde a época do tráfico de africanos, houve uma atuação efetiva do Estado e da sociedade para esvaziar a cultura negra, deixando a população afro-brasileira sem identidade cultural.
Para ele, dar identidade aos indivíduos por meio do consumo consciente contribui para o alimento saudável da psique desse grupo. As marcas segmentadas têm um papel fundamental nesse sentido, pois ajudam a resgatar a autoestima e criar identidade. “Simplesmente estamos reivindicando um pertencimento dentro de uma sociedade construída por meio do sacrifício da vida dos nossos ancestrais.”, explica.
De acordo com Fernando, o empoderamento negro não é apenas um boom momentâneo, mas um movimento constante que vem sendo construído por gerações passadas e que continua com as novas gerações. “A internet tem um papel fundamental nessa conexão e no alcance em larga escala das pautas e conscientização da população negra. Por exemplo, mesmo que não tenham muito acesso a esse assunto dentro de casa, hoje as crianças assistem a mais vídeos, ouvem mais discussões sobre o tema e crescem com um pensamento crítico diferente. Já desenvolvem uma consciência negra na infância.”, complementa.
É importante que as marcas estejam atentas e dialoguem de forma apropriada com esses consumidores que representam aproximadamente 60% da população brasileira e movimentam cerca de R$ 1.6 trilhões ao ano. Ignorar essa parcela da população é perder dinheiro. As mudanças já podem ser vistas no cotidiano das pessoas, mas ainda há muito a ser feito. As empresas precisam entender que o nicho de mercado não é segregação, mas sim uma forma de resgate da identidade cultural e simbólica da população negra.
Para se comunicar de forma assertiva com a população negra, as grandes empresas precisam primeiro reconhecer a importância desse público, independentemente de classe social, e levar em conta suas características culturais e biológicas únicas. É crucial entender que a herança africana tem influência direta ou indireta nas diversas esferas do consumo, mesmo para se comunicar com pessoas brancas, dependendo do contexto.
Além disso, é importante que essas empresas reconheçam que o maior repertório das agências de publicidade que elas contratam para serem seus agentes na criação de identidade e na construção de relação com o produto são formados por pessoas que não vivenciaram ou vivenciam os códigos culturais de consumo da população afrodescendente.
“A herança africana tem influência direta ou indireta nas diversas esferas do consumo, o que deve ser considerado, portanto, mesmo para se comunicar com pessoas brancas, dependendo do contexto.”, explica o especialista.
Para Montenegro, é necessário que essas empresas tenham a humildade de reconhecer que, durante pelo menos um século, fizeram comunicação e produtos desconsiderando a existência da população negra. Como o entrevistado destaca, não basta apenas vender, mas também entender e respeitar as necessidades e particularidades desse público.
“Elas não têm o "know-how" necessário para lidar com esse novo-velho consumidor, é fundamental que as empresas conheçam o público com o qual querem se comunicar e não simplesmente suponham o que esse consumidor deseja”, completa.
ODS são um caminho?
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU são uma ferramenta importante para avançar nesse sentido. O ODS número 10, por exemplo, busca reduzir as desigualdades sociais e econômicas, incluindo as desigualdades raciais. As empresas podem contribuir para esse objetivo adotando práticas de ESG que promovam a igualdade de oportunidades e a inclusão da população negra.
Além disso, o ODS número 8, que trata do trabalho decente e do crescimento econômico, pode ser um importante aliado no sentido de promover uma economia mais inclusiva e sustentável. Isso envolve desde políticas para garantir salários justos e condições de trabalho adequadas para todos os trabalhadores, até medidas para fomentar o empreendedorismo e a criação de novos negócios por parte da população negra.
É importante destacar que as diretrizes de ESG não devem ser encaradas apenas como uma obrigação legal ou uma estratégia de marketing, mas sim como uma oportunidade para as empresas se tornarem agentes de transformação social e ambiental. Ao levar em conta as demandas e particularidades da população negra, as empresas podem contribuir para construir um mundo mais justo, inclusivo e sustentável para todos.
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