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Games, apps e terapeutas on-line entram na luta contra a depressão

Como boas doses de tecnologia podem estar a nosso favor e até mesmo nos leve a encontrar meios que curem o mal do século 21


Por Brunella Nunes

Ultimamente na internet a gente lê de tudo: que o Facebook dá depressão, o Instagram prejudica a autoestima, que o discurso de ódio aumenta a cada milésimo de segundo, que o bullying virtual é mais uma ferramenta para perturbar alguém, a mesma medida em que outras tantas são criadas para tirar a paz do outro.


Quando é que a gente se deixou levar tanto pelo ambiente tóxico que a internet, essa terra sem lei e por vezes sem rosto, nos proporciona? Falar sobre saúde mental é também falar sobre a era virtual. Porque ser feliz nunca foi fácil, mas tomar doses cavalares de narcisismo e intolerância com o simples toque de um dedo no celular têm nos aproximado de sentimentos de inferioridade e crises existenciais que geram debates e consultas em psiquiatras. Se já é difícil manter a cabeça do lugar no modo off-line, como fazer isso no online? Games, apps e terapias virtuais podem ser a resposta para quem precisa de ajuda, sem sair do smartphone.

No campo da depressão e da ansiedade, dois dos principais males dos últimos 20 anos, a humanidade busca por inúmeros tipos de refúgios e meios de sobrevivência. Segundo a Organização Mundial da Saúde, há 322 milhões de pessoas depressivas ao redor do planeta, sendo 11,5 milhões de brasileiros.


Nossa terra tupiniquim tem o maior índice da América Latina e só perde para o Estados Unidos dentro do continente americano. Quando falamos em ansiedade, estamos em primeiro lugar no ranking mundial, com mais de 18 milhões de pessoas sofrendo desse mal. E mesmo com números assustadores, o assunto foi jogado para debaixo do tapete, negligenciado e tratado como tabu — e não uma questão de saúde pública — por muito tempo. Tempo esse que poderia ter salvado vidas, amenizado dores e evitado uma onda de tarjas pretas nas prateleiras de milhares de pessoas.


Bebendo da mesma fonte dos recursos tecnológicos, os games e apps se voltaram para problemas sociais, deixando de lado o conceito de apenas entreter ou alienar. É possível encontrar algumas opções voltadas exatamente para distúrbios mentais, como o Elude, lançado pela Massachusetts Institute of Technology (MIT), Aether, Flower, Depression Quest, Sym, Actual Sunlighte Sparx, jogo que reduziu sintomas de ansiedade e depressão em 44% dos 187 jovens participantes dos testes.


No campo da pesquisa, já existem avanços: a Universidade de Washington elaborou o Project: EVO, jogo desenvolvido para tablets e smartphones, para ajudar no combate a depressão. Trabalhando dentro de habilidades neurológicas, a pesquisa trouxe resultados promissores após testes com voluntários. Benefícios cognitivos específicos, como a atenção, tiveram melhoras em comparação com a terapia comportamental, assim como o humor. Apesar disso, os pesquisadores apontam que os jogos eletrônicos não substituem tratamentos clínicos, e sim auxiliam, de acordo com o grau da doença.

Foi assim que Thais Weiller encontrou um escape. E de quebra, uma profissão. Ela não está na área da psicologia e sim de games. Formada em duas graduações, cursadas ao mesmo tempo, aos 21 anos ela passou por uma fase que muitos jovens passam, especialmente nessa idade: a sensação de não ter propósito para a vida. Depois de passar por várias experiências de trabalho e odiar a maioria, se voltou para os estudos, dessa vez estudando a relação entre o jogador e o gameplay, tentando entender o que nos videogames nos faziam sentir. “Pela primeira vez em muito tempo eu não odiava o que estava fazendo. Eu nem vi o tempo passando desde então, fui estudando, analisando e construindo jogo após jogo. Acho que eu não escolhi jogos, eles meio que me fagocitam”.


De fato, o destino fluiu a favor dessa descoberta. Thais ficou conhecida quando alguns sites escreveram sobre o jogo Rainy Day, assinado por ela. Sensível, intuitivo, pouco óbvio e com uma linda animação (por Amora Bettany), o jogo consegue captar exatamente como uma pessoa depressiva ou ansiosa se sente e lida com as pequenas decisões que precisa tomar no cotidiano, como tomar banho para sair ou simplesmente encarar mais um dia de olhos abertos. “A ideia começou como uma simulação de mim mesma, de como me sentia em relação a levantar e fazer coisas que precisava. Eu falava sobre isso com meu parceiro e ele não parecia entender. Inicialmente, era um jogo sobre como eu me sentia e quando começou a tomar forma, percebi que girava em torno de uma apatia pela vida, contou ao Átomo, lembrando que na época ainda não havia sido diagnosticada com depressão crônica, então nem ela mesma sabia que a tal apatia tinha nome.


Com o game ganhando forma, sua percepção sobre seus próprios sentimentos e das pessoas que a cercavam também foi se moldando. “Comecei a prestar extra atenção no que meus amigos falavam a respeito da própria apatia deles. Muitos dos pequenos detalhes vieram dessa maneira, embora a maioria nem saiba disso. Então, começou como uma experiência extremamente pessoal e se tornou um sincretismo de várias experiências que fui coletando”. Atualmente, Rainy Day já foi jogado mais de 190 mil vezes.


Quando falamos em games, logo vem na cabeça grandes produtores como a Nintendo e a PlayStation, que tem equipes enormes a seu favor e bilhões de dólares na conta. Tudo isso torna a produção mais impessoal e fria, segundo explicou Thais. É numa brecha entre os assuntos mais complexos que entram os desenvolvedores independentes, como ela, que conseguem captar sentimentos mais próximos da realidade de cada um e colocá-los em emuladores que proporcionam um tipo de êxtase, refúgio ou bem-estar.


“Eu acredito que jogos são experiências extremamente únicas, pessoais e não pessoais ao mesmo tempo. Nos últimos anos, desenvolvedores independentes passaram a viver da criação de experiências pessoais, feitas de forma pequena e íntima para serem apreciadas da mesma maneira”.


A designer relata que essas experiências têm um peso importante para o jogador porque ele não leu a respeito ou viu alguém passar por isso, mas sim passou por isso em sua representação digital. “Dessa forma, acho que jogos são uma ferramenta incrível na conscientização sobre estados mentais. Muitos dos jogadores de Rainy Day vieram me dizer o quanto eles se reconheceram no jogo e procuraram ajuda por isso. Não fazemos diagnósticos, mas cooperamos para que se vejam em terceira pessoa e perceber que talvez elas precisassem de ajuda. Já outras disseram que viam amigos ou entes queridos que relatavam situações semelhantes e o jogo os ajudaram a entender o que estavam passando. Também é legal poder apoiar pessoas que não sofrem de uma condição a ter um pequeno vislumbre de como é conviver com ela”.

A terapia online, com profissionais da área da tecnologia, também chegou até plataformas de atendimento virtual e aplicativos como o Fala Freud. Por um valor fixo ou por hora, os psicólogos, psiquiatras e psicanalistas atendem os usuários, por vezes ficando disponíveis em outros canais de comunicação, como o WhatsApp. O app do empreendedor brasileiro Yonathan Faber e o sócio Renan Pupi foi desenvolvido no Vale do Silício. Nos últimos 12 meses, chegou a atender mais de 100 mil pessoas, que arcam com R$ 299,00 mensais para mantê-lo. “Nós não fazemos a conexão física entre os terapeutas e pacientes, mas caso eles decidam seguir para terapia presencial o próprio terapeuta pode oferecer algum contato”, explicou Yonathan, que fez terapia por quase um ano após sair do Exército.“Para mim foi uma experiência sensacional. Eu só queria que as pessoas tivessem acesso a terapia de forma simples e rápida.


A psicóloga e cybercounsellor Milene Rosenthal relatou ao Átomo que foi uma das primeiras na área a atender online e investir nessa ideia. Em meados de 2010, uma amiga a questionou sobre o assunto, na esperança de ter ajuda com maior frequência e facilidade devido ao rompimento de um namoro.


“Naquele momento, percebi que se ela tinha essa necessidade, outras pessoas também poderiam ter. Então comecei uma pesquisa, sem referências porque ainda não havia site do tipo no mercado, e criei a plataforma, que hoje tem aprovação do Conselho Federal de Psicologia. Nesse período aprendi muito sobre o atendimento psicológico via internet”


Milene é co-fundadora da Telavita, que tem crescimento mensal de 30% em sua base de usuários e 60 profissionais para atender na sala virtual.Havendo necessidade por parte do paciente, o atendimento pode sim se estender para o presencial, desde que ambos estejam na mesma região do Brasil. Dentro de sua experiência, notou que existe, porém, o movimento contrário, de pacientes pedindo para seus psicólogos ingressem no mundo online, a fim de encurtar distância, reduzir custos e adicionar mais praticidade no dia a dia. Afinal, a consulta terapêutica não deve ser um peso, a pedra no sapato, e sim o alívio.


É uma forma de democratizar e aproximar o psicólogo da população brasileira a fim de deixá-lo mais disponível a quem precisa de ajuda. E claro, é um trabalho que ajudará a contribuir de forma efetiva na melhoria da saúde mental da população”, contou. Em breve, a plataforma irá incluir convênios com planos de saúde para a cobertura ou reembolso das sessões.


E as opções não param de crescer. Foi com auxílio de amigos próximos que as universitárias Ana Luiza Ferrer, Gabriella Lopes e Helena Leitãocomeçaram a desenvolver o aplicativo Be Okay, indicado para ajudar a tratar a ansiedade. As três participavam do Programa de Formação para Desenvolvimento de Aplicativos iOS da PUC-Rio e escolheram a Síndrome do Pânico como foco quando foram incumbidas da tarefa de criar um app dentro do tema saúde. Esse foi gatilho para conversas e descobertas entre as pessoas que conheciam. Foi à medida que o projeto foi evoluindo que começamos a descobrir que várias pessoas ao nosso redor sofriam de crises e nós nem sabíamos. Pesquisamos muito e conversamos com pessoas com síndrome do pânico e identificamos as principais técnicas para controlar o pânico. Depois tudo que tivemos que fazer foi adaptar algumas destas técnicas para o app, para que o usuário pudesse ter sempre ajuda em mãos”, esclareceram ao Panda.


Os próximos passos são implementar melhorias com base nas sugestões dos usuários, como poder exportar os dados do diário para um arquivo PDF ou enviar um mensagem rápida para um pessoa próxima. “Nosso principal objetivo, no entanto, é lançar uma versão Android. Recebemos centenas de pedidos e estamos trabalhando para fechar parcerias que possibilitem isso.”

Tecnologia: de problema à solução

Há quem resista aos meios tecnológicos e aponte em direção a seus pontos fracos para justificar as lamúrias em torno do comportamento humano. Porém, o ponto inicial dessa reflexão fica ecoando dentro da questão: o problema é a tecnologia ou a forma como a utilizamos? “Eu não acho que a tecnologia ajude nem atrapalhe. Ela é simplesmente uma ferramenta, nosso uso é que determina o impacto que ela tem em nós. É comum ouvirmos falar que as redes sociais geram ansiedade e depressão, mas elas podem fazer muito bem também. Existem vários grupos de apoio ao pânico e ansiedade no Facebook, por exemplo. É algo que realmente tem um impacto positivo na vida dos participantes”, apontou Ana Luiza.


Thais segue a mesma linha de raciocínio, ao mencionar que em sua opinião, toda a ciência é neutra. A diferença consiste em como é aplicada às tecnologias e na forma que a utilizamos. “É aí que temos que prestar atenção. É muito difícil equilibrar o impacto da internet na vida pessoal. Até coisas que aparentemente eram positivas podem ser fontes de negatividade dependendo do contexto ou do seu momento mental. Por exemplo, sua caixa de e-mail, pode ser geralmente um lugar muito legal ou pode ser uma armadilha de ansiedade se você está a espera de um e-mail em particular. Ou então, se tornar permanentemente negativo caso você comece a pender para o costume de checar ela constantemente, a espera de novos e-mails. É muito difícil se manter bem quando há tantos possíveis distratores, mas com muito amor próprio, paciência e treino acho que dá para diagnosticar os pontos de negatividade e tentar contorna-los ou remove-los completamente.


Sobre a questão de meios virtuais não serem tão eficazes quanto os reais quando falamos em terapia, Milene acredita que comprovações científicas recentes encerram essa discussão, exemplificando com um estudo feito pela Universidade de Zurique. Porém, as pesquisas na área ainda são escassas e provavelmente requerem mais tempo e mais dados para colocarem um ponto final neste debate.


“Para aos profissionais mais resistentes, deixo as seguintes perguntas para uma reflexão: nos dias atuais, será que realmente conseguimos chegar e estar disponíveis para as pessoas que precisam do nosso trabalho? Estamos nos atualizando sobre a nova forma de comunicação e como a tecnologia tem impactado na organização social? E sobre a mobilidade urbana, ainda é possível manter o paciente engajado dentro do padrão terapêutico presencial que é nos ensinado na Universidade?”


Fato é que, em menor ou maior grau, ferramentas tecnológicas são acessíveis e ajudam a criar mais um meio de comunicação, algo tão essencial para quem sofre de transtornos mentais. Elas querem, acima de tudo, alguém que as ouça e, se possível, as compreenda. A dor de não serem ouvidas é o fio condutor de um comportamento mais destrutivo, isolado e triste. “Alguns estudos já indicam que no caso de depressão, quando o atendimento é realizado via internet, o engajamento do paciente ao tratamento é maior do que se fosse no presencial, pois o fato de ser atendido em casa faz com que o paciente fique mais seguro e retira possíveis barreiras que ele pode encontrar no deslocamento ao consultório físico”.


Mas, vale lembrar, tudo depende do nível de avanço da doença. Em casos mais graves e urgentes, como uma tentativa de suicídio, o recomendado é que o paciente procure o psicólogo presencial, ou uma unidade de saúde.Na Telavita os psicólogos são treinados a orientar os pacientes a buscar sessões presenciais nesses casos mais graves”.

Uma luz no começo do túnel e não no fim

A medida em que os recursos que auxiliem o tratamento de doenças forem avançando, há boas chances de ter um diagnóstico mais rápido, preciso e íntimo para cada paciente. Variadas formas de tratamento poderão ser aplicadas de acordo com as particularidades de cada um. Quanto mais cedo se reconhecer a depressão ou a ansiedade, mais eficaz ou possível será a cura. O Google lançou uma ferramenta que ajuda a detectar a depressão por meio do teste PHQ-9 (Patient Health Questionnaire — Questionário de Saúde do Paciente), usado como parâmetro por psicólogos e psiquiatras. Embora não seja um diagnóstico, é um alerta para quem, talvez, precise de apoio e ainda não tenha se conscientizado.


Thais, a entusiasta dos games, acredita que a aproximação do público com os jogos podem servir como não apenas válvulas de escape, mas um espelho sobre suas próprias condições psíquicas e sentimentais. “Acho que quanto mais acessíveis as ferramentas de produção de jogos se tornarem, mais esses jogos e experiências pessoais vão se tornar comuns e mais pessoas vão poder se expressar por esse meio. Imagine que interessante você mesma poder fazer um jogo sobre como se sentiu quando adotou seu gato ou como foi receber o resultado daquele exame que você estava preocupada a respeito! O futuro será mais que demais!”.


Os frutos destas novas ferramentas já estão sendo colhidos, mesmo que timidamente e até trazendo mais empatia com o problema alheio. “Fazer parte do Be Okay tem sido uma experiência extremamente gratificante. Toda vez que um usuário nos envia uma mensagem agradecendo pelo app e falando que ele ajudou é motivo de comemoração entre nós. Ficamos muito felizes de verdade, faz todo o esforço valer a pena. Isso me fez amadurecer e ser mais compreensiva com os outros. Quando penso nos usuários, fico imaginando se seus amigos e familiares sabem pelo que eles estão passando. É como aquele ditado diz: ‘todo mundo que encontramos na vida está enfrentando uma batalha que não sabemos nada a respeito’. Seja gentil. Sempre, recordou Ana Luiza.

O que você faz quando está triste?

Lançamos essa pergunta para, enfim, ter uma noção de como nossos entrevistados lidam com a própria tristeza, que não necessariamente é depressão, mas um sentimento que pode ser difícil de contornar e lidar, eventualmente abrangendo 100% da população mundial. E não há problema nenhum em ter tristeza ou angústia, apenas saiba que você precisa reconhecê-los, entendê-los e se lembrar de que não está sozinho (a).


Eu tomo um chá! Não resolve nada, mas me obriga a parar de pensar em o que quer que esteja me deixando triste ou apreensiva e me focar na tarefa mundana que é preparar o chá, escolher a erva usada, ferver a água na temperatura certa, etc. Durante todo o processo, eu consigo respirar melhor e no final ainda tem um chá para me ajudar a pensar no problema!”  —  Thais


“Eu preciso desabafar com alguém, só de colocar tudo para fora já me faz muito bem. Geralmente eu converso com minha mãe ou uma amiga. Mesmo que elas não deem conselhos bons, só de saber que alguém se importa e te apoia já faz toda a diferença.”  —  Ana Luiza


“Se tenho vontade de chorar, eu choro, e como choro! É muito importante desabafar, colocar essa emoção para fora. Após assumir e viver a tristeza penso que é muito importante começar a buscar algo positivo nessa experiência. Na minha opinião essa é a diferença crucial, sempre temos o poder da escolha em nossas mãos, e podemos optar pelo caminho do crescimento ou da escuridão. Então, quando vivo a minha tristeza, busco ao máximo resgatar pensamentos positivos de como algo tão triste e ruim pode se tornar algo bom, ou pelo menos se tornar um aprendizado. Mas se não consigo contornar a situação apenas com uma reflexão, busco fazer algo mais prático e prazeroso, como por exemplo praticar esportes ou sair com pessoas queridas.” —  Milene




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