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Ninguém nasce cisgênero, torna-se

Em conversa disponível na plataforma digital do Path, a dupla Uma Reis e Ali Prando conversaram sobre a apropriação do próprio corpo e rotas para uma desobediência de gênero.



Até o final do século XIX, a distinção da identidade sexual de uma pessoa perante a sociedade não existia, mesmo que há milênios a compreensão do que é ser LGBTQIA+ seja semelhante à nossa ideia moderna, a identidade como categoria pessoal, política e de autoafirmação dos corpos ainda não havia surgido, vindo só a ocorrer em meados do século XX e muitas vezes carecia da especificidade que, hoje, é tão presente.


A teoria Queer, subverte a ideia de instituições tradicionais na sociedade, que são baseadas no modelo heteronormativo, ela reconhece o amplo espectro da sexualidade, orientação sexual e identidade de gênero. Dessa forma, a teoria busca revolucionar conceitos enraizados nas mensagens heteronormativas das mídias de massa, procurando, por exemplo, representar de forma positiva personagens Queer na TV e cinemas.


“Em um país de base escravocrata, escravagista, como o Brasil, em que as mulheres negras são compulsoriamente e endemicamente colocadas dentro dos trabalhos com afazeres domésticos, as mulheres trans e travestis nem pra isso servem.”

O Path sempre procurou ser um espaço para a diversidade de ideias e pessoas. Em nossa última edição, um dos temas centrais foi a Igualdade de Gênero, que está relacionado diretamente com os 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. E pensando a partir de provocações da Teoria Queer, nós tivemos um bate-papo feito pelo filósofo e multi-artista, Ali Prando, e a geógrafa transfeminista, Uma Reis, que conversaram sobre diversidade, sexualidade e possíveis rotas de fuga e desobediência de gênero no Brasil.


Em sua pesquisa de mestrado sobre infâncias trans e travestis, Uma Reis discorre sobre como é, para uma criança trans, dizer para sua família que ela não é um menino e sim, uma menina. Em uma sociedade heteronormativa.


“Eu fico fazendo essa pergunta em vários momentos da minha escrita, como (por exemplo) é perguntar para minha irmã de 9 anos o porquê dela ser uma menina, ela não saberia me responder e eu poderia dizer que ela não é cisgênero, ela é trans, invertendo a lógica é basicamente o que fazem com as crianças trans e travestis, uma cobrança da construção de uma narrativa de si, que a própria cisgeneridade não tem.”, explica a geógrafa.


Rompendo paradigmas


Quando falamos de gênero, estamos nos referindo às características de mulheres e homens, adultes e crianças, que são socialmente construídas. Ou seja, normas, comportamentos e papéis associados, assim como os relacionamentos entre estas pessoas são construídos, com base em conceitos pré-estabelecidos por uma sociedade regida sob conceitos heteronormativos, produzindo desigualdade e discriminação.


“Ainda que eu tenha nascido com um pipi, não quer dizer que eu sou um menino e o rompimento desse paradigma está em uma construção social, ou seja, o que fazer com o meu corpo, como posso me apropriar do meu corpo." complementa Reis.


Essa questão é levada mais a fundo por Ali Prando durante a conversa no Path, apontando a construção social do gênero como um aprisionamento para reflexões sobre nós mesmos e nossos corpos. “Aí é a chave do debate, quão aprisionado eu sou pelo meu gênero, ou a ser homem ou mulher, o que eu estou fazendo para me enquadrar no ser mulher ou, no ser homem?”, indaga Prado.


Desigualdade e discriminação


Esse ponto levantado pelos dois convidados do Path nos leva a pensar sobre como uma parcela da sociedade pode se beneficiar disso e da desigualdade que a apropriação heteronormativa de identidades de gênero pode gerar, como por exemplo, homens brancos, heterosexuais, cisgêneros, se beneficiando em detrimento de outra parcela da população.


Esta desigualdade e discriminação de gênero afetam, por exemplo, a saúde e o bem-estar de mulheres trans e travestis, que assim como mulheres e meninas cisgênero, enfrentam barreiras maiores do que homens e meninos para acessar serviços de saúde e o mercado de trabalho, porém de forma ainda mais precarizada.


“Em um país de base escravocrata, escravagista, como o Brasil, em que as mulheres negras são compulsoriamente e endemicamente colocadas dentro dos trabalhos com afazeres domésticos, as mulheres trans e travestis nem pra isso servem.”, destaca Uma Reis.


Representatividade LGBTQIA+ promovendo caminhos


No auge da pandemia de Covid-19, muitas destas desigualdades vieram à tona e alguns dados podem comprovar como no Brasil, ainda é preciso muito avançar,não só no debate, como em ações que acabem com esses problemas.


Em um relatório divulgado em 2021, produzido pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), foi apontado que cerca de 70% da população de travestis e transexuais não teve acesso às políticas de emergência.


Em outro dado, a Antra destacou que durante o confinamento houve um aumento de 34% nos casos de suicídio, apontando uma piora na saúde mental de pessoas trans. Para Uma Reis e Ali Prando, a representatividade é importante para mostrar que há possibilidade de vida além do que a cisgeneridade coloca como regra.


“Quando temos, hoje, representatividade múltipla de identidades trans em setores da sociedade, ainda que muito pouco, a gente consegue, talvez, se lembrar da nossa infância em que isso nem existia, então é um lugar que é muito importante para mim, ocupando determinados locais como forma de tornar visível a possibilidade de vida.” completa Reis.


A conversa completa da dupla está disponível gratuitamente na plataforma digital e interativa do Path, acesse "ondemand.festivalpath.com.br" e assista essa e muitas outras palestras transformadoras, em um catálogo repleto de conteúdos originais do Path.


 

As palestras e e opiniões dos convidados do Path não refletem, necessariamente, o parecer oficial Path festival sobre os temas apresentados, sendo essa plataforma uma facilitadora de conversas positivas e palco para diferentes ideias e reflexões.

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