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Paulistanos se aproximam da botânica para dar adeus à selva de pedra

Na busca por ar puro e contato com a natureza, os moradores desfrutam da onda verde que invade a cidade, cultivando hortinhas ou até florestas particulares


Por Brunella Nunes

Caótica, violenta, massacrante, cinza. Estes são alguns dos adjetivos indigestos que São Paulo colecionou ao longo de sua existência. Hoje, talvez seja um tanto injusto resumi-la às suas mazelas que, embora ainda presentes, são difíceis de controlar em grandes centros urbanos ao redor do mundo. No meio do mar de prédios e da aridez causada pela poluição, os paulistanos querem, podem e devem abrir suas janelas para ter contato com um punhado de verde. Seja nas alturas de seus apartamentos, nas privilegiadas casas com quintal ou num canteiro no meio da rua, a população vem fazendo as pazes com a botânica e colhendo seus benefícios. Bye bye, selva de pedra!


A capital conta com 113 parques espalhados por sua expansão e ainda assim, é pouco. Não há ar puro o suficiente e o déficit verde é desanimador: faltam 150 mil árvores na metrópole para ter o número ideal. Das que já existem, um equivalente a apenas 11,7% da ocupação das ruas, caem uma média de 26 por dia. Mas isso não é o suficiente para sucumbir os moradores nessa luta. Foi exatamente por causa dos movimentos comunitários que se resgatou o contato com a natureza, por meio de uma infinidade de coisas, desde a criação de hortas em espaços públicos, a manutenção de praças, a propagação de oficinas e escolas relacionadas ao tema.


Colocando as mãos para trabalhar na terra, as pessoas encontraram uma válvula de escape para os dias estressantes, uma forma de ter contato com a natureza quando ela parecia ter assinado um divórcio vitalício. Os lares voltam a se encher de vida, com texturas, cheiros e cores de variadas espécies botânicas. Já não é mais raro encontrar pracinhas bem cuidadas, canteiros enfeitados, mutirões de plantio, jardins verticais — que se destacam no Minhocão — lojas e agora até cafeterias com plantas por todos os lados. É o caso da Jardin Plantas & Flores, um espaço na Vila Buarque que coloca a xícara de café na companhia de samambaias, peperômias e heras penduradas.

A harmonia do ambiente se expandiu para uma segunda unidade, o Quintal do Centro, que segue a mesma proposta, oferecendo predominantemente opções de plantas amigáveis a ambientes de pouca ou nenhuma incidência de luz solar direta. A história começou quando a professora de música Ina Amorozo, ao lado do marido Jean Manuel, deixaram suas profissões com o intuito de encontrar um trabalho mais flexível para aumentar a família. Hoje, têm um filho de um ano e as duas lojas com cafeteria. “Nunca trabalhamos tanto na vida quanto hoje! Mas com certeza espaços como os nossos inspiram as pessoas a se reconectarem com o verde. Acompanhamos muitos clientes que tinham medo de cuidar de planta. Por meio de conversas, orientações e experiências com o que compraram aqui, aos pouquinhos foram tomando gosto pela botânica e hoje tem uma verdadeira selva em casa!”.


Antes de empreender, a dupla já tinha gosto pela botânica e também ostenta uma mini floresta no próprio lar. Já tivemos mais de 50 vasos em casa, mas no momento devemos ter uns 30, porque o filho pequeno demanda mais atenção do que nossas plantinhas. Adoramos pendentes de plantas, como jiboias, samambaias e heras. Grande parte das espécies são de fácil manejo e não precisam de muita luz direta, indicou.

É numa casa da Vila Madalena que Kika, Martha e Nina Levy, mãe e filhas, instalaram a Amapá Flowershop, floricultura com uma pegada bem diferente daquelas à beira de cemitérios, onde os clientes podem passar um tempo apreciando as pequenas grandes belezas das flores. “O trabalho é super corrido, cansativo e desgastante, com as idas ao Ceasa na madrugada, as encomendas e o manuseio de algo tão perecível quanto as flores. Mas depois que fazemos os bouquets, recebemos as fotos e os comentários dos clientes felizes, aproximando as flores e as plantas para o seu dia a dia, vemos que tudo vale a pena”, contou Nina, que trocou a moda pelos arranjos, ao Átomo.

Com arranjos criativos e mix de espécies, elas enfeitam casamentos e casas ao redor da cidade, inclusive a delas mesmas. Nina tem uma verdadeira coleção botânica dentro do apartamento, desde os ambientes internos até a varanda. “São Paulo é uma cidade que consome, estamos sempre correndo, atrasados, com mil coisas para fazer e mil contas para pagar. Trazer plantas para perto de nós e para dentro de casa acalma, transforma o ar, cria uma relação de afeto (você precisa cuidar daquela planta, ela precisa de você para sobreviver), te faz explodir de felicidade quando aparece uma nova flor, te deixa preocupado quando aparece uma praga, te faz lembrar das aulas de biologia do colégio e te incentiva a querer saber mais sobre aquele assunto, traz vida para dentro de casa, te faz se sentir muito pequeno perto de todo o poder da natureza. A proximidade com esse universo me deixa cada dia mais encantada e querendo mergulhar mais fundo. Me faz enxergar tudo de uma forma mais simples.

Seguindo a mesma linha, Gabi Cardia deixou a gastronomia para se dedicar às flores, buscando referências em floristas europeus e norte americanos. Foi depois de trabalhar com arranjos florais que criou a Florinda, inicialmente saindo pelas ruas de São Paulo levando cores a bordo da bicicleta. “Dessa forma pudemos sentir que as pessoas amam as flores, que elas vão, olham, desejam e compram. A flowerbike levou a gente para mais perto do público, para entender o que eles querem. Ela foi e é essencial na vida da marca”.


Depois, criou um ateliê, que atende somente com hora marcada. Com a alta demanda dos paulistanos por flores, seja por assinatura ou para ocasiões especiais, Gabi entrega que, por conta da rotina irregular, não consegue cuidar de plantas em casa. Mas não deixa de ter algum verdinho, mantendo cactos e suculentas, dois favoritos de quem não tem tempo, paciência ou experiência com a botânica. E é viciante: depois que você compra um, quer ter vários! Existem coleções gigantescas, como se vê no canal Claudia Vida Florida, que tem mais de 10 mil inscritos. Em um vídeo, ela partilha seu acervo de dar inveja em qualquer iniciante.

Dentro das pequenas revoluções e resistências cotidianas, eis que chegou o momento de (tentar) desacelerar na Pauliceia desvairada. A gente sobrevive como a erva daninha que brota do asfalto, lutando dia após dia por espaço, por um bocado de ar e luz do sol. Ainda que falte muito chão para forrar de verde, já podemos nos gabar de varandas enfeitadas, de hortinhas produzindo parte do que comemos, de cafés floridos e de saborear momentos zero sufocantes em oásis botânicos no meio de São Paulo.


Uma floresta para chamar de sua

Nina Levy dá algumas dicas para os que desejam mergulhar nessa jornada sem fim. Para quem está começando e não tem muito tempo para cuidar recomendo os cactos, as ripsallis e a costela de adão. É sempre bom antes de tudo pensar no lugar que você vai deixar a planta e ver quais são as condições que ela vai estar, se bate sol, quantas horas por dia e se tem ventilação (muito importante para as plantas!). Quando você for comprar a planta, converse com a pessoa que está te vendendo, procure saber mais sobre onde essa planta estava, quantas vezes estava sendo regada, quantas horas de sol estava recebendo, para conseguir adaptar melhor a planta ao lugar que ela vai ficar”.

O arquiteto Rafael Loschiavo, da Ecoeficientes, ressalva que a vegetação traz vários benefícios térmicos, melhora a qualidade do ar e promove a biodiversidade. Os jardins verticais, que podem ser colocados basicamente em qualquer parede, tem uma redução de até 10ºC no ambiente interno e da concentração de poluentes. Sempre tem soluções mais práticas para ser, de fato, mais amigo do meio ambiente.”


O especialista em sustentabilidade indica também outras opções para adaptar a sua casa, a fim de torná-la efetivamente mais verde para além das plantinhas. Entre as soluções mais práticas e de fácil adequação estão o uso de cisterna, sistema que reaproveita a água da chuva, e a composteira, que transforma resíduos orgânicos em fertilizante.

“São várias alternativas. Existem peças modulares que podem ser encaixadas nas casas de maneira bem simples. Nas paredes, dá para usar tintas a base de terra, evitando produtos químicos. Na calha, é possível instalar um reservatório que já pode ser usado como cisterna. Tem luminárias que já vêm com a placa fotovoltaica acoplada, que é carregada por meio da luz do sol. Existem módulos já prontos ou feitos sob encomenda para o cultivo de hortas. E as caixas de compostagem, que podem ser usadas até em apartamentos. Elas não têm cheiro e produzem um recurso nutritivo para as plantas”, explicou ele, que cultiva chás e temperos em casa e no escritório.

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