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Kaká Werá conta como regenerar o planeta através do amor e do retorno às origens

O escritor, ambientalista e conferencista indígena do Povo Tapuia, explica que precisamos nos reconectar com o passado para entender melhor como agir diante do futuro, respeitando a natureza e consumindo os recursos naturais de forma sustentável.



Como cuidar, regenerar e curar a terra? Uma pergunta que atravessa os tempos e entre tantas soluções que já foram discutidas nós não saímos do lugar. Podemos inclusive estar dando passos para trás, de acordo com o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC), publicado em agosto deste ano, mostra que podemos já estar em um ponto sem volta em relação ao clima.


“Uma das maiores desestruturações que nós da humanidade realizamos foi em relação à desestabilização, desestruturação e degradação dessa casa que nós habitamos, nossa casa comum, o planeta terra.”, diz Kaká Werá, escritor, ambientalista e conferencista indígena brasileiro do Povo Tapuia, que em conversa com o Festival Path Amazônia, apresentou a necessidade que temos em nos reconectar com o planeta através do sentimento de pertencimento.


O também fundador do Instituto Arapoty e empreendedor social da rede Ashoka, conta que há três pontos fundamentais que estabelecem uma relação em busca da regeneração com a Terra e que podemos praticar a partir de agora na tentativa de interromper o cataclismo climático. Uma dessas condições seria olhar com mais cuidado para nossas origens, o local de onde viemos e de onde geramos recursos para nossa subsistência como seres-humanos. “Um provérbio africano diz que quem não sabe de onde veio, não consegue saber para onde vai, ou seja, nos reconhecemos em uma origem, um lugar de onde viemos.”, conta Werá.


O lugar de origem do qual Kaká se refere é o nosso planeta, o ambientalista que também é professor, explicou nessa conversa que precisamos reconhecer os ecossistemas, biomas e etc, independente de nossa origem étnica, seja indígena, africana, asiática, ou americana, o importante para Werá é que possamos reconhecer o lugar de nossa existência como nossa base de sustentação.


Sobre esse processo para reconhecer nosso pertencimento ao planeta, o professor fez um panorama sobre nossa ruptura com a natureza. “Enquanto nós olharmos a terra, seus recursos e sua diversidade de fora, nos colocando como se fossemos extraterrestres, não vamos ter a empatia natural ou necessária para iniciarmos um processo verdadeiro de regeneração.”, complementa.


A partir desse primeiro passo chegamos ao segundo ponto que Werá acha importante para a regeneração do planeta, em que essa relação precisa ser suficiente para uma convivência sustentável entre nós e a natureza, através do manejo cuidadoso de recursos naturais e respeito com tudo que extraímos. O terceiro ponto é talvez o mais importante desse processo que Kaká propõe, para ele enquanto não abolimos em todos os níveis de nossa consciência a manipulação, subjugação e escravização do outro, nós não conseguiremos reverter o estado das coisas.



A cura da terra precisa partir de nós mesmos, segundo Werá, a escravização não acabou, o que teve fim foi o modo antigo de escravizar, hoje ele entende que existe um modo mais sutil que se insere nos meandros de nossa cultura. “Quando manipulamos o próximo, quando utilizamos de um tipo de emprego disfarçado como trabalho remunerado, mas com uma subjugação no reconhecimento do valor, ainda há formas de escravização econômicas, psíquicas, psicológicas e culturais.”, explica Werá.


Nesse ponto, Kaká Werá destaca a relação de nossa Constituição Federal com os povos indígenas. “No Brasil, em pleno século 21, o povos indígenas do ponto de vista da lei, não são reconhecidos como habilitados a exercerem cidadania e no século 21 a cidadania significa liberdade, de ir e vir, de adquirir conhecimento, de se expressar através de suas visões de mundo e cultura, liberdade de adquirir outras visões de mundo e ampliar seu conhecimento, isso não existe, por força da lei, para os povos indígenas do Brasil”, exclama o ambientalista.


A relação entre homem e natureza tem afetado, em muitos aspectos, o cotidiano de aldeias indígenas no Brasil, constantemente grupos indigenistas fazem denúncias relacionadas aos problemas causados pelo desmatamento desenfreado e a instalação de garimpos ilegais. Na última quarta-feira, a Hutukara Associação Yanomami denunciou a morte de duas crianças do povo Yanomami que teriam sido sugadas pela estrutura de uma balsa de garimpo ilegal em Roraima.


O garimpo ilegal e a exploração de terras demarcadas através do agronegócio é um dos principais problemas que assolam a região da floresta amazônica, sendo também o vetor da violência sofrida por povos originários nestas áreas. Em 2019, um relatório divulgado pelo Comitê Indigenista Missionário (CIMI) apontou que houve aumento na violência contra a população indígena em 16 das 19 categorias de violência sistematizada pela publicação.


Na exploração ilegal de recursos, nas invasões possessórias e nos danos a patrimônio os indicadores mostraram que os 109 casos em 2018 subiram para 256 casos em 2019. Dentro desse contexto, nos anos seguintes tivemos as notícias de queimadas pelo país, no cerrado e na Amazônia, em todos os casos ligadas a essa exploração. De acordo com Kaká Werá é necessário falar qual tipo de comportamento faz com que a gente destrua a nossa casa, de modo geral nós temos tendência à exploração exacerbada dos recursos naturais, pois consumimos de um modo desequilibrado esses recursos.


“A falta de recursos de qualidade para nossa subsistência e a poluição da terra e das águas, são uma relação destoante com a nossa casa, isso se deve, em parte, pelo fato de até pouco tempo atrás o ser-humano não ter ideia de que a natureza não é infinita, a natureza é finita e precisa ser cuidada.”, diz Werá.


Para o professor, precisamos agregar a harmonia que tínhamos com a natureza nos tempos mais antigos e se desvencilhar do medo que está enraizado em nossas premissas pré-tribais. “Existe um padrão, linguagem ou crença baseada no medo que é da época em que os ancestrais da antiguidade tiveram que lutar com dinossauros, longas escuridões e lidar com maneiras realmente desiguais.”, explica Werá.


O resultado é que esse padrão, para Werá, gerou um aspecto de desconfiança em relação à genuinidade do amor entre as pessoas e com a natureza. “A vida é compaixão, amor, expressão amorosa, mas em decorrência dessas memórias inconscientes baseadas no medo, nós geramos outras estratégias de comportamento baseadas no desamor.”, completa.


Conversas inspiradoras, como a que tivemos com Kaká Werá, estarão entre as 70 horas de conteúdo do Path Amazônia nos dias 30 e 31 de outubro. Até lá, você pode se cadastrar em ondemand.festivalpath.com.br e receber informações exclusivas sobre o que será apresentado nos dois dias de festival.


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